domingo, 12 de fevereiro de 2012

Belo Monte: 36 anos de discussões

Publicado na revista O SETOR ELÉTRICO, escrito pela sua editora Flavia Lima (flavia@atitudeeditorial.com.br), esse texto dá ao leitor informações para conhecer o caso da Usina Belo Monte.

Tendo em vista as informações e as polêmicas que circularam nas redes sociais nos últimos dias sobre a usina de Belo Monte, a secão Em debate tem o propósito de oferecer ao leitor um pouco mais de respaldo técnico na tentativa de contribuir para o seu entendimento e discernimento acerca da construção da que pretende ser a terceira maior usina hidrelétrica do mundo

A única afirmação que parece ser consenso entre os especialistas da área é que, qualquer que seja a forma de geração de energia, ela causará, em maior ou menor escala, impactos sociais e ambientais à região afetada. As fontes renováveis, que sempre foram reverenciadas em todo o mundo por produzir “energia limpa” – isto é, por não liberarem (ou liberarem poucos) gases ou resíduos que contribuem para o aquecimento global –, também estão nessa lista e deixam suas marcas na natureza.

O Brasil possui um potencial hidrelétrico inegável. De acordo com o Ministério de Minas e Energia (MME), o potencial energético dos rios brasileiros pode chegar a 258.410 MW, mas somente 28,2% são aproveitados. As três grandes bacias hidrográficas (Amazonas, São Francisco e Paraná) cobrem 72% do território nacional e concentram 80% do volume de água do país. Entre as vantagens das hidrelétricas, estão: produzem energia considerada limpa, renovável e barata. Na lista das desvantagens está o impacto ambiental, já que precisa ocupar uma área significativa na região da bacia hidrográfica em que será implantada. No caso do Brasil e, mais especificamente de Belo Monte, a usina será instalada em um trecho do rio Xingu, no Estado do Pará, uma região de floresta amazônica. E, neste ponto, habita o cerne de todo o embate do empreendimento.

As discussões envolvendo Belo Monte datam desde os anos de 1970, mais precisamente em 1975, quando se iniciaram os estudos para o aproveitamento hidrelétrico da Bacia do rio Xingu, mas foi especialmente a partir da concessão da licença prévia pelo Ibama, no início de 2010, que o debate ficou mais caloroso. No mesmo período, a Aneel aprovou os estudos de viabilidade da usina de Belo Monte e em junho de 2011 foi concedida então a Licença de Instalação (LI) para a hidrelétrica.

A usina de Belo Monte possui capacidade instalada de 11 MW e cerca de 4 mil MW de energia firme. “Este foi o arranjo possível para que Belo Monte gerasse energia de forma constante com baixo impacto socioambiental e com a menor área alagada possível”, diz o site institucional do empreendimento. Ainda de acordo com a mesma página na internet, para discutir a construção da usina, apenas entre 2007 e 2010, foram realizadas “12 consultas públicas; dez oficinas com a comunidade que vive na área do empreendimento; fóruns técnicos em Belém e no Xingu; visitas a mais de quatro mil famílias; quatro audiências públicas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), com mais de seis mil pessoas, e 30 reuniões da Fundação Nacional do Índio (Funai) em aldeias com a participação de funcionários da Eletronorte”.

Entretanto, diversos movimentos sociais e ambientais continuam contrários à obra por considerarem que os impactos socioambientais não estão suficientemente dimensionados. Nesse sentido, um vídeo produzido recentemente pelo Movimento Gota D’Água, com atores e atrizes brasileiros, apimentou ainda mais as discussões ao circular nas redes sociais do mundo virtual. Novos vídeos foram produzidos em resposta e muitos comentários e correntes foram gerados e divulgados na internet. O resultado foi o desencontro de informações e confusão mental entre os cidadãos leigos. Os principais argumentos contra e a favor de Belo Monte são compilados a seguir, assim como informações oficias obtidas dos órgãos competentes. A conclusão fica por conta do entendimento do leitor.

O imbróglio

As principais críticas giram em torno da diferença entre capacidade instalada e energia firme produzida; da área a ser ocupada pela usina (terras indígenas e florestais); e do valor do investimento e sua proveniência (pública/privada). Na opinião do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, as críticas à construção da usina são motivadas por “inveja” e “má-fé”. Segundo ele, as pessoas e as organizações contrárias à hidrelétrica estão mal informadas.

O vídeo elaborado pelo Movimento Gota D’Água e que mais ganhou repercussão divulgou, entre outras informações, que a área alagada inundaria 640 km² da floresta amazônica, devendo atingir o Parque Nacional do Xingu. “Esta é a primeira de dezenas de hidrelétricas que o governo pretende construir na Amazônia nos próximos 20 anos”, diz um dos atores. Sobre isso, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Mauricio Tolmasquim, afirma que até o ano de 2020 serão construídas 18 usinas hidrelétricas na região amazônica, das quais, segundo ele, algumas já estão prontas e outras já foram leiloadas.

O mesmo filme faz referência ao custo da obra, um valor de R$ 30 bilhões a ser custeado, em sua maioria (80%), pelos cofres públicos. Para o elenco do vídeo, alternativas, como energia solar e eólica, podem solucionar o problema da demanda energética sem que medidas extremas, como a construção de Belo Monte, sejam tomadas. A preocupação com as terras indígenas também está presente no protesto, que questiona a nova forma de vida dos índios e dos seres aquáticos do rio Xingu, que terão seu habitat alterado.

Na esteira das mesmas inquietações, os movimentos Brasil pelas Florestas e Xingu Vivo para Sempre foram protagonistas de diversas manifestações contra o empreendimento. Ambos os organismos defendem os direitos da população local, fiscalizam o andamento das obras e o cumprimento das medidas socioambientais de responsabilidade do consórcio responsável pela usina, a Norte Energia.

Os movimentos apoiaram e acompanharam uma solicitação da prefeitura de Altamira, que enviou ao Ministério Público Federal, em setembro deste ano, um documento pedindo providências diante do descumprimento, pela Norte Energia, das obras e investimentos necessários para evitar e compensar os impactos da obra de Belo Monte. De acordo com a notícia divulgada pelo site do Brasil pelas Florestas, o MPF já havia alertado o Ibama e a Justiça Federal, quando a Licença de Instalação foi emitida, que “permitir o início das obras sem exigir o cumprimento das condicionantes era abrir a porta para o caos na região”. O Ibama teria recebido recomendação para não emitir a licença, mas a ignorou. O MPF pediu a suspensão das obras, mas a Justiça Federal negou o pedido em novembro deste ano. Ainda cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília (DF).

A prefeitura da cidade de Altamira quer ainda fiscalização de todos os planos, programas e projetos que constam do Projeto Básico Ambiental (PBA). Sobre isso, durante um evento sobre produção e transmissão de energia realizado em outubro deste ano, a representante da Norte Energia, Cassandra Molissani, garantiu que não há inundação de área indígena por Belo Monte. “Nos 11 municípios a serem atingidos, a população local é de 360 mil habitantes e, em Altamira, a área interferida é de 267,49 Km, o que corresponde a apenas 0,17% da área da cidade”, diz. Segundo ela, o PBA é constituído por 117 projetos e que a base de todo o programa é investimento social: educação, saúde, articulação institucional, turismo e lazer.

Na opinião do engenheiro Fernando Goldman, doutorando do Programa de políticas públicas, estratégias e desenvolvimento do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ao se construir uma grande hidrelétrica, isto significa um impacto ambiental em uma área muito maior do que a do reservatório, impacto este que precisa ser avaliado antes e monitorado depois para ver os resultados. “Quando se faz isto em um ambiente tão complexo quanto a Floresta Amazônica, com suas múltiplas interações, abre-se mão do princípio da precaução. Não há resultados garantidos visto que se está falando de uma decisão tomada em contexto de incerteza (não de risco) e racionalidade limitada”, argumenta.

Para ele, continuar com Belo Monte significa, acima de tudo, “abrir mão do potencial brasileiro de transição para uma economia de baixo carbono, que poderia ser benéfica a todos os brasileiros, em nome da manutenção de um modelo que já apresentou bons resultados décadas atrás, em outro contexto, mas que hoje está ultrapassado, se mostrando concentrador de rendas”.

O outro lado

Outros vídeos surgiram nas mesmas redes sociais com o propósito de, segundo eles, esclarecerem os fatos. Um deles, produzido por um anônimo, mas que traz dados oficiais e polemizou ainda mais o assunto, afirma que a capacidade instalada de Belo Monte é de 11.233 MW, mas que, na média do ano, ela produz 4.571 MW, o que representa um fator de capacidade de 0,41, e que, conforme o vídeo, não é um número ruim, considerando que a média nacional das hidrelétricas é de 0,52 e das eólicas é algo em torno de 0,35. “No projeto original, a área do reservatório era três vezes maior, o que aumentava o volume de armazenamento e permitia que a usina armazenasse água nos períodos de cheia para produzir energia nos períodos de seca. Como a usina não vai alterar o regime hidrológico do rio Xingu, ela vai então produzir muita energia no período da cheia e pouca energia durante a seca, ou seja, não vai armazenar água, então o regime do rio Xingu vai permanecer o mesmo”, diz o filme.

Esta informação é endossada pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), cujo documento intitulado “Projeto da usina hidrelétrica de Belo Monte – Fatos e Dados”, de fevereiro de 2011, afirma que o atual projeto de Belo Monte é muito diferente do projeto original Kararaô, apresentado em 1989. “O plano de hoje aumenta significativamente a eficiência e a proteção social e ambiental, por meio de medidas que incluem uma redução da área alagada do reservatório de 1.225 km² para 516 km²”, diz o relatório. A relação área-capacidade do projeto de Belo Monte é de 0,05 km²/MW, inferior à de outras usinas no Brasil, como Tucuruí (0,29) e Itaipu (0,10). A média nacional é de 0,49 km²/MW instalado.

Os que defendem Belo Monte argumentam ainda que um dos pontos fortes da entrada da nova usina é a redução significativa das térmicas, altamente poluentes, especialmente as movidas a carvão e a óleo diesel. “Até 1998 o município de Altamira era alimentado por uma central termoelétrica desativada logo após a inauguração da LT 230 KV Tucuruí. Com a nova usina, a tendência é que toda a região Norte perca a dependência das usinas termoelétricas”, avalia o engenheiro Marcelo Paulino, especialista em sistemas elétricos de média e alta tensão.

O engenheiro eletrônico e professor de estatística da Universidade de Campinas (Unicamp), Sebastião de Amorim, participou de outro vídeo que também defendeu a construção da usina: “Com a participação de todos os brasileiros, Belo monte será um belíssimo projeto de infraestrutura nacional sob todos os aspectos: econômico, social, ambiental. A terceira maior hidrelétrica do planeta. Se Belo Monte fosse na Austrália, na Suécia, na Alemanha ou no Canadá, já teria sido construída há muito tempo”, declarou. Com a participação de estudantes da Unicamp, este vídeo foi uma resposta ao primeiro, produzido pelo Movimento Gota D’água, e comparou ainda valores de investimentos e áreas de desmatamentos.

Sobre este último tópico, a comparação se dá entre a área a ser ocupada pela usina de Belo Monte (516 km²) e o desmatamento já registrado na região da Amazônia (7.000 km² no período de agosto de 2009 a julho de 2010, segundo o Projeto Prodes – Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por satélite, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)). Veja mais sobre isso no quadro a seguir.


Desmatamento na Amazônia Legal
Desde 1988, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) vem produzindo as taxas anuais do desflorestamento da Amazônia Legal. As estimativas são produzidas por classificação digital de imagens por meio do Projeto Prodes – Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por satélite. A taxa total confirmada pelo INPE para o período de Agosto de 2009 a Julho de 2010 é de 7.000 km².
A Amazônia Legal é uma área que engloba sete estados brasileiros pertencentes à bacia amazônica e, consequentemente, possuem em seu território trechos da Floresta Amazônica. Com base em análises estruturais e conjunturais, o governo brasileiro, reunindo regiões de idênticos problemas econômicos, políticos e sociais, com o intuito de melhor planejar o desenvolvimento social e econômico da região amazônica, instituiu o conceito de “Amazônia Legal”. Esta área é de 5.217.423 km², correspondente a cerca de 61% do território brasileiro.
De acordo com o Ministério de Meio Ambiente (MMA), o total de área desflorestada é de cerca de 700.000 Km², o que representa 17,5% da floresta. Os motivos dos desmatamentos estão classificados nas seguintes classes temáticas:
•Agricultura anual – áreas extensas com predomínio de culturas de ciclo anual, sobretudo de grãos.
•Mosaico de ocupações – áreas representadas por uma associação de diversas modalidades de uso da terra e que, devido à resolução espacial das imagens de satélite, não é possível uma discriminação entre seus componentes.
•Área urbana – manchas urbanas decorrentes da concentração populacional formadora de lugarejos, vilas ou cidades que apresentam infraestrutura diferenciada da área rural.
•Mineração – áreas de extração mineral com a presença de clareiras e solos expostos, envolvendo desflorestamentos nas proximidades de águas superficiais.
•Pasto limpo – áreas de pastagem em processo produtivo com predomínio de vegetação herbácea e cobertura de gramíneas entre 90% e 100%.
•Pasto sujo – áreas de pastagem em processo produtivo com predomínio de vegetação herbácea e cobertura de espécies de gramíneas entre 50% e 80%.
•Regeneração com pasto – áreas que, após o corte raso da vegetação natural e o desenvolvimento de alguma atividade agropastoril, encontram-se no início do processo de regeneração nativa.
•Pasto com solo exposto – áreas que, após o corte raso da floresta e o desenvolvimento de alguma atividade agropastoril, apresentam uma cobertura de pelo menos 50% de solo exposto.
•Vegetação secundária – áreas que, após a supressão total da vegetação florestal, encontram-se em processo avançado de regeneração.
•Outros – áreas com padrão de cobertura diferenciada, como afloramentos rochosos, praias fluviais, bancos de areia, entre outros.

Fonte: MMA

Custo por fonte

De acordo com o Ministério de Minas e Energia (MME), considerando que a Garantia Física de Belo Monte é de 4.571 MW médios, que correspondem a 40 TWh/ano, o custo anual para aquisição de energia de outras fontes são os da tabela a seguir.







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